via lenta
Dei com ela no lanço de escadas à saída de casa. Às avessas, inerte, a cabeça triangular e o fole amarelado patentes, gotejados copiosamente. Não estava deformada, nem ferida. Estava apenas definida como morta. Munido de plástico de dimensão certa e pequena vassoira, preparei-me para lhe dar destino de detrito orgânico. Mexeu-se. Pouco, bastante. Não me entusiasmei. Percebi que agonizava. Estava apenas como se pudesse ressuscitar. Com uma velha espátula de madeira virei-a trazendo vagar, delicadamente. Pousou e quedou-se. Menos de não saber para onde ir que da dormência que a expunha à natureza, ao predador e ao treino da criança. Acrescentaram-se minutos a decidir que fazer. Faltou-me cor e pulso para a compaixão, a paixão partilhada, o golpe de misericórdia. Empurrei-a para uma pá em cuja face fixou as ventosas dos membros arqueados, exauridos. Transportei a pá e a sua ocupante até um telheiro. Não está frio, lá a chuva não a atormentará. Isto foi de dia e agora é noite. A manhã trar-me-á luz e cadáver. Poderei enfim acabar o que hoje comecei.