wissenschaft als beruf*
O tema dos temas fracturantes (expressão na verdade detestável) está de novo na ordem do dia. Da televisão ao canto da sala chegam-me os clichés estafados, os sound bites panfletários, a evidentia ex terminis do costume. O contraditório de surdos detém-me apenas o suficiente para recordar uma passagem do livro acima acerca da harmonização da reprovação quase unânime do aborto com a tolerância perante a sua prática. Quand on dit que l'avortement, tout en étant officielement (l'ordre de l'officiel étant celle du public, solennel, collectif; par contre, l'officieux, celle de l'honteux, voire clandestin, distinction elle même au coeur de la domination masculine) condamné, est officieusement toléré [...] c'est non seulement parce qu'il a lieu dans un contexte, l'univers du féminin, impénetrable depuis l'espace public; non seulement parce que l'on ne fait pas les efforts nécessaires pour savoir ce qui s'y passe, mais aussi parce que, tout en le sachant très bien, d'une certaine façon, on peut faire comme si ce que l'on sait était sans pertinence ou, si l'on veut, fermer les yeux et faire comme si on ne le savait pas. Continuo, ou melhor: prossigo da fragilidade da condição humana e do princípio da humanidade comum que seivam (mais do que informam) a obra de Boltanski. Agora que sobre o racionalismo (e a gramática científica) vão caindo raios e coriscos (nem todos serôdios ou obtusos ou até desonestos), há que incensá-lo. Ao contrário do que muito boa gente crê, não há correspondência entre neutralidade axiológica e desimplicação subjectiva (ou indiferença/insensibilidade humana). Aquela é, com efeito, a melhor cosa mentale de que dispomos para fomentar a compreensão sine ira et studio. Não ignoro que a neutralidade axiológica é intrinsecamente paradóxica, mas essa é objecção que não se dissipa com duas palavras ao ouvido.
*O alemão é um bocado a armar aos cucos, mas a culpa não é minha. Nem a culpa nem o título, que é de um senhor chamado Max Weber. De uma conferência proferida no remoto ano de 1919.