asneiras
Como as coisas são. Em minha casa dizia e não dizia. Em frente de meu pai, nem pensar. De minha mãe, dependia das circunstâncias. Não posso censurar meu pai. Salvo uma (de pouca monta) e raramente, não as dizia. Minha mãe também não, mas tolerava-as, da minha boca, entre amigos, filhos-varões. Coisas de rapazes, coisas que fazem rapazes, da cumplicidade da caserna, de meu avô, seu pai, a afinidade mortal imortalizada pelo Nava.
Entre estes meus amigos através
de cujos corações arde o horizonte e a ponte
da qual o seu sorriso era um dos arcos
abriram-se os abismos
Um dia entrei em casa da rua, do futebol. Eu e mais uns tantos. Vinha com uma nova e repetia e repetia: cona da mãe aos saltinhos na frigideira. Franqueámos – eu, a comitiva e o alarido – duas portas até dar de caras com minha mãe. Quem vê caras (muito mal-encaradas) às vezes vê espelho de corações. Corações encrencados. Era caso para mais. Minha mãe mandou que os outros se retirassem. Ficámos a sós, criando silêncio com o cisma, vigiando-nos, eu suspenso da sarabanda. Não me resignei à paciência. Não me está no sangue. Aventurei-me no nó cego, coar da língua, a interrogação que ousa. Se eu tivesse dito sertã seria menos grave? Lá no Norte dizem muitos palavrões e é quase sempre afecto profundo. Vi o esturro eclipsar-se-lhe do rosto, das veias das têmporas, do peito, da alma. Retomou fórmula de quando eu era pequeno. Ai filho, tu gastas-me os nomes. Não era assim que recordava, o plural excessivo: ai filho, tu gastas-me o nome. Pausou um instante e raiou o castigo. Desaparece-me da vista antes que eu mude de ideias e te tranque no quarto a bolachas de água e sal o resto do dia. O pano correu. Mudava a voz. Foi a última vez que dei uso à toa a palavra feia na presença de minha mãe.
de cujos corações arde o horizonte e a ponte
da qual o seu sorriso era um dos arcos
abriram-se os abismos
Um dia entrei em casa da rua, do futebol. Eu e mais uns tantos. Vinha com uma nova e repetia e repetia: cona da mãe aos saltinhos na frigideira. Franqueámos – eu, a comitiva e o alarido – duas portas até dar de caras com minha mãe. Quem vê caras (muito mal-encaradas) às vezes vê espelho de corações. Corações encrencados. Era caso para mais. Minha mãe mandou que os outros se retirassem. Ficámos a sós, criando silêncio com o cisma, vigiando-nos, eu suspenso da sarabanda. Não me resignei à paciência. Não me está no sangue. Aventurei-me no nó cego, coar da língua, a interrogação que ousa. Se eu tivesse dito sertã seria menos grave? Lá no Norte dizem muitos palavrões e é quase sempre afecto profundo. Vi o esturro eclipsar-se-lhe do rosto, das veias das têmporas, do peito, da alma. Retomou fórmula de quando eu era pequeno. Ai filho, tu gastas-me os nomes. Não era assim que recordava, o plural excessivo: ai filho, tu gastas-me o nome. Pausou um instante e raiou o castigo. Desaparece-me da vista antes que eu mude de ideias e te tranque no quarto a bolachas de água e sal o resto do dia. O pano correu. Mudava a voz. Foi a última vez que dei uso à toa a palavra feia na presença de minha mãe.