supina in(ve)teração

[Nos chats eróticos] observamos que os próprios corpos acabam por ter componentes eróticas, mesmo que virtuais. […] A sexualidade virtual reivindica-se de verdadeiro «acto sexual», versão jurídica do erotismo. As convulsões espásmicas parecem reais, mesmo quando simuladas: «UUUIII!... UAAAUUU!!!» – gritos de prazer, do incomunicável, efervescência emocional que não pode passar por mediação de palavras ou ordenamentos sintácticos. O que as teclas denotam quando o corpo goza é que a linguagem acompanha o êxtase, fragmentando-se em sílabas esfalfadas, incapazes de exprimirem adequadamente as sensações que se vivem.
Mas lá está, a linguagem erótica acaba por reproduzir estereótipos e chavões da vida real, muitos deles veiculando atitudes machistas. O genital masculino persiste em erguer-se, nos chats, como padrão das trocas eróticas. A sexualidade falocêntrica resume-se quase sempre à história dramática de um homem que quer «comer» uma mulher e acaba devorado por suas próprias fantasias, como acontece no canal #papagajas. Comer a gaja: esta correspondência entre mesa e cama, entre carne comestível e desejável, havia sido já detectada por Lévi-Strauss ao sustentar a existência de um vínculo entre o acto de copular e o de comer – sendo o macho apresentado como o «comedor» e a fêmea como a «comida». De facto, nas relações carnais, os jogos amorosos costumam ter uma inspiração canibal: mordiscos, dentadinhas, sucções, ou ameaças lúdicas de devorar o outro: «Como-te toda!» Esta gula faminta percorre os sites que versam temas relacionados com a sexualidade.

José Machado Pais, Nos Rastos da Solidão, Porto, Ambar, 2006, p.203.


[Por aqui, site de e pela parte frívola e obnubilada que me toca do género, não cai o queixo ao chão nem se pensa por um segundo que seja desafiar a regra ou ofender virgens que tocam d’orelha em staccato. A única frustração e razão de um distúrbio eminentemente funcional é que não há quem saiba ou ensine como grafar um arroto.]

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