heterossexual
Não enjeito a raça (e a glória). Era o que mais faltava quando a minha própria mãe garante a pés juntos que se revelou ex ovo. Não obstante, a bem do espelho, das pontas soltas e (por que não?) da travessura, do rô-rô, de uma boa história e de partir pedra, trago à consideração uma interacção com alguns anos. Aconteceu com um colega de escola, turma, bola e ocasionalmente carteira. Interessará saber que o moço, pinta dos genuínos, se destacava nas letras pela apatia, nos números pela falta de sorte e no futebol e não só por uma invejável capacidade explosiva. Trigo limpo para a troca de favores. Justiça seja feita, eram bem merecidas as reputações de salvador da pátria e de anjo da guarda e a condição de nepote do pequeno grupo que no Inverno atravessava às sete da tarde o Jardim da Estrela. Também se gabava de proezas particulares, mas dessas o que sei é de Hearsay, fictio juris que está para a Manifestis probatum de triste memória como pão para a boca.
Voltando à interacção, que é para isso que cá estamos, ela abriu com o moço-pinta, o Tozé, a malsinar género e identidade, caninos de fora, sem querer saber de conotações pejorativas, bolsando quase sem vagar para respirar á-bê-cê homofóbico. Já não se podia ouvir. Eu pelo menos não podia. A despeito de algum temor, determinei-me. Confiando-me ao Bund, ao contrabando linguístico, à expressividade facial do apreciador de Maria-mole e ao tacto, portanto à mestiçagem ou, como agora sói dizer-se, à miscigenação cultural, tentei pôr termo ao despautério assegurando-lhe que ele era o tipo mais heterossexual que conhecia. O que eu fui dizer. Conseguintemente virou-se a mim, crescendo com a carranca, o corpo e a respectiva sombra. O porte de patrulheiro da casa dos varões e o olhar fremente deixavam adivinhar que a enérgica escalada ainda não atingira o cume. Chegámos ao enrugar da fronte, tornando a minha alma ainda mais parva que habitualmente: Heterossexual, eu?! Foda-se, qu’essa merda?! Sou homem, muita homem, caralho! Como se não bastasse a emoção íntima enxertada no sermão aí pelos 90-100 dBA.
Aberto o livro do senhor H.R. Jauß, posso e devo notar que me ficou para a vida. Não mais me atrevi a chamar heterossexual a ninguém. E passei do caso concreto ao mandamento não chamarás nomes às pessoas (quando estão presentes, entenda-se). Nem maus nem bons nem (supostamente) neutros, nem mesmo escolhidinhos a dedo entre os que estão na berra e nas etiquetas. Com a alteridade é melhor não brincar e toda a prudência é pouca. A moléstia espreita, como o lykòs da fábula e o fel in melle. Tão manhosa que dispensa tenção ou dolo. Basta andar desfasado da realidade, que é complexa e múltipla e dita assim não quer dizer nada que não possa ser delicadamente colocado sobre língua viperina. Em epítome, rédea curta à língua e a todas as formas de vibrato. Se me faço entender, que é papo furado a que não me dedico a não ser em situações de extremo apuro, como daquela vez em que tanto me debrucei sobre o poço que estreei o mergulho de cabeça com as perninhas um pouco atrás a dar-a-dar.
Voltando à interacção, que é para isso que cá estamos, ela abriu com o moço-pinta, o Tozé, a malsinar género e identidade, caninos de fora, sem querer saber de conotações pejorativas, bolsando quase sem vagar para respirar á-bê-cê homofóbico. Já não se podia ouvir. Eu pelo menos não podia. A despeito de algum temor, determinei-me. Confiando-me ao Bund, ao contrabando linguístico, à expressividade facial do apreciador de Maria-mole e ao tacto, portanto à mestiçagem ou, como agora sói dizer-se, à miscigenação cultural, tentei pôr termo ao despautério assegurando-lhe que ele era o tipo mais heterossexual que conhecia. O que eu fui dizer. Conseguintemente virou-se a mim, crescendo com a carranca, o corpo e a respectiva sombra. O porte de patrulheiro da casa dos varões e o olhar fremente deixavam adivinhar que a enérgica escalada ainda não atingira o cume. Chegámos ao enrugar da fronte, tornando a minha alma ainda mais parva que habitualmente: Heterossexual, eu?! Foda-se, qu’essa merda?! Sou homem, muita homem, caralho! Como se não bastasse a emoção íntima enxertada no sermão aí pelos 90-100 dBA.
Aberto o livro do senhor H.R. Jauß, posso e devo notar que me ficou para a vida. Não mais me atrevi a chamar heterossexual a ninguém. E passei do caso concreto ao mandamento não chamarás nomes às pessoas (quando estão presentes, entenda-se). Nem maus nem bons nem (supostamente) neutros, nem mesmo escolhidinhos a dedo entre os que estão na berra e nas etiquetas. Com a alteridade é melhor não brincar e toda a prudência é pouca. A moléstia espreita, como o lykòs da fábula e o fel in melle. Tão manhosa que dispensa tenção ou dolo. Basta andar desfasado da realidade, que é complexa e múltipla e dita assim não quer dizer nada que não possa ser delicadamente colocado sobre língua viperina. Em epítome, rédea curta à língua e a todas as formas de vibrato. Se me faço entender, que é papo furado a que não me dedico a não ser em situações de extremo apuro, como daquela vez em que tanto me debrucei sobre o poço que estreei o mergulho de cabeça com as perninhas um pouco atrás a dar-a-dar.